sexta-feira, 13 de março de 2009

O Subúrbio do Mundo

Escrito pelo meu irmão Saulo de Andrade, jornalista, músico e imigrante na Austrália:

O subúrbio do mundo

Coisa mais interessante é ser cleaner de shopping (faxineiro de shopping), aqui na Austrália. Sinto-me como um retirante nordestino, que, ao chegar no Rio de Janeiro, com muito esforço, consegue um emprego no Plaza Shopping Niterói (Praza, de humilde, né!), garantindo mais um "posto de trabalho" (como gosta de afirmar a nossa podre elitizinha direitista).

Eu, neste caso, sou um retirante do mundo. Venho de um exótico e distante país. Um "planeta" diferente, ao sul das Américas, muito conhecido pela violência, pelas festas (Carnaval!! Uhu!!), pela corrupção, pelo futebol cinco estrelas e pelas lindas "bailarinas", que supostamente falam espanhol ("Não? Sorry! No Brasil vocês falam português? Ah, não sabia"...).

Todas as loirinhas Anglo-Saxônicas -como em qualquer shopping da Barra-, empurradas pela correria do sonho pequeno-burguês de cada dia, são praticamente um objeto distante da minha realidade.

Invisível, faz-se necessário esquecer -durante o período laboral- toda a sua bagagem acadêmica. Afinal, limpar o chão de um templo de consumo é o que resta, pelo menos por enquanto, para a maioria dos imigrantes latino-americanos, quando a busca por dinheiro que paga as contas se torna mais importante que qualquer pseudo-posição na pirâmide social (especialmente em períodos de Crise Financeira Mundial).

Hoje à tarde passei por um episódio curioso.

A neo-zelandesa que trabalha comigou me perguntou: "Você gosta desse trabalho?". E eu disse: "Na verdade, eu não gosto, mas é razoavelmente bom, já que consigo viver dignamente trabalhando como cleaner. No meu país sou jornalista". Espantada, desengonçada, envergonhada e sem o menor traquejo, ela chutou o balde, deixou a água quente cair no chão, e continuou, com os olhos arregalados de susto ("afinal, como pode um ser pensante trabalhar 'COM ISSO'?"): "Mas o que você está fazendo aqui, limpando?". E eu disse: "Isso é o que tenho de fazer para bancar meus estudos por aqui, qualificar-me e, quem sabe, voltar ao meu país para tentar -eu disse tentar- recomeçar a minha vida profissional e receber o mesmo salário (ou menos) que recebo mensalmente aqui, mas trabalhando lá, como jornalista".

Definitivamente, ser faxineiro no Primeiro Mundo é um excelente exercício sociológio -propício para aqueles que pensam estarem construindo seus castelos, isoladamente de todo tipo de miséria humana. Coitados. Muita "gente bonita" -de alma pobre- de nossas grandes cidades não percebe que, no fundo, a favela são eles mesmos. Somos nada menos que o subúrbio do mundo.

Saulo Andrade, de Brisbane, Austrália.

6 comentários:

Ricardo disse...

Muito bom ! Excelente ! Parabéns ! Ele tem blog também ?

Ricardo

Clau e Zé disse...

Fantástico texto!
É bem esse o espírito...

Bea disse...

Excelente post!!

Obrigada pela ótima leitura nessa manhã de segunda! Acordei enfim! =)

Vanessa e Muryllo disse...

Adorei o texto. Engraçado né, mesmo ele estando na Australia ele descreve a mesma situação q nós passamos aqui tb.
Nossa, fico com mto raiva no trabalho qdo alguem que agradar e solta um "gracias" para mim. Não pelo fato de ser espanhol, longe disso, é por achar q os brasileiros falam espanhol aff..já sem paciencia retruco gracias en portugais est "obrigado".
E vamo q vamo..como ele disse: é um trampo digno q banca os estudos..
É temporário Saulo..paciência..

Fernanda disse...

Olá! Tudo bem? Este post está ótimo!

Então, eu enviei minha documentação exatamente 1 mês antes de vc, acredito que logo receberá o pedido de exames médicos. O consulado parece que é meio de lua: fica um tempo sem chamar ninguém para fazer os exames e de repente, começa a chamar todo mundo. Quanto a ir em Julho, eu acho que dá tempo sim, mas tudo vai depender da boa vontade do Consulado. Aliás, eu estou espantada, porque todos os meus amigos quando entregaram o passaporte no Consulado, receberam uma ligação de lá 1 dia depois para irem lá retirar o passaporte com o visto. No meu caso, porém, entreguei na terça-feira e até agora nenhum sinal de vida do Consulado.... No meu caso acho que esse atraso se deve a dois feriados seguidos que teve (dia 9, sexta-feira santa no Brasil, e dia 13, feriado de páscoa canadense). O negócio agora é esperar, pois falta bem pouco para receber o tão sonhado visto.

Abraços

Fernanda

Júlia disse...

ótimo texto. ser imigrante é mesmo um (muitas vezes, necessário)exercício de humildade.